Modelo

[Modelo] Modificação no Cumprimento de Pena

Petição Penal

Modificação no Cumprimento de Pena

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CRIMINAL DE

RÉU PRESO – URGENTE

Protocolo nº

já qualificado nos autos da execução penal, em epígrafe, via de seu advogado in fine assinado, permissa máxima vênia, vem perante a conspícua e preclara presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal, combinado com art. 92 e parágrafo único do art. 88 da Lei 7.210/84, expor e requerer o seguinte:

SÍNTESE DOS FATOS

1 O Reeducando(?)/Requerente, cumpre pena no regime semi-aberto, na Cadeia Pública de, onde pernoita todos os dias, e se recolhe as horas de sábado ficando nas dependências da unidade prisional até horas de segunda-feira, além de ficar recolhido nos feriados, por força de determinação da lavra deste Ilustrado Juízo.

2 Inicialmente, o Requerente e os demais condenados, que cumprem pena no regime semi-aberto, foram colocados nos corredores dos pavilhões do presídio, onde eram submetidos a toda espécie de humilhação e ameaças por parte dos detentos que estão no regime fechado. Esta situação irregular foi objeto de noticias veiculada na mídia de nossa cidade, conforme jornal em apenso, onde o Sr. Diretor do estabelecimento de custódia reconheceu, abertamente, a existência de perigo concreto no caso de contato direto entre os detentos do fechado com os do semi-aberto, quando disse à reportagem:

“Ele disse ainda que está preocupado com os riscos de se juntar os detentos que estão no semi-aberto, como os do regime fechado. Além disso destacou o desrespeito aos direitos humanos, já que eles tem que dormir em locais inapropriados, e até mesmo insalubres, como os banheiros”[1]

3 Atualmente, os detentos do regime semi-aberto são recolhidos em um galpão, localizado no interior do presídio, onde usualmente funcionam aulas de alfabetização, reuniões de caráter religioso e outras atividades, porém, o local não é dotado de instalações sanitárias e de higiene pessoal, sendo que em vez de portas existem  grades, permitindo a livre circulação do vento, que no período da madrugada provoca um frio insuportável, principalmente, porque não existem camas e os colchões ficam espalhados no piso de cimento liso. Se não bastasse o sacrifício de passar a noite neste estado, o local, por ser aberto, é freqüentado por ratazanas, baratas, e outras notívagas espécies pestilentas, além dos morcegos que passam a noite executando acrobacias, com seus vôos rasantes na escuridão, sobre os corpos dos reeducandos(?).

4 O pior é que nos domingos, os presos do semi-aberto ficam no mesmo pátio que os do regime fechado, durante o período das visitas, quando são vítimas de ameaças, extorsões com agressões físicas e verbais, principalmente no momento em que os visitantes são retirados, tendo, inclusive, o Requerente registrado ocorrência na Supervisão de Segurança do presídio, (doc. .), ocasião, em que foi ameaçado, por outro detento, na presença do, supervisor de segurança daquele estabelecimento.

5 Destaque-se que o Requerente, não está se opondo ao fiel cumprimento de sua reprimenda penal, conforme foi determinado por este Ilustrado Juízo, porém, nas circunstâncias em se encontra o “albergue” da Cadeia Pública, está se tornando humanamente impossível dar continuidade e levar adiante os pernoites e recolhimentos de fins de semana, por mais determinação e boa vontade que tenha para não incorrer em faltas.

DO DIREITO

“Bem aventurados os que tem fome e sede justiça, porque eles serão saciados”

 (Mateus, cap. 5, Vrs. 6)

Do magistério jurisconsulto Salo de Carvalho[2], se extrai que, o delineamento das penas na Constituição Federal em momento algum flerta com “fins, funções ou justificativas”, indicando apenas “meios” para minimizar o sofrimento imposto pelo Estado ao condenado. Nos incisos XLV, XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX do art. 5º está traçada forma constitucionalizada de imposição de penas, balizada pelas idéias de pessoalidade, individualização, humanidade e respeito à integridade física e moral. Mas o dispositivo mais exemplar da configuração constitucional da política penalógica de redução dos danos é encontrado na alínea “e” do inciso XLVII. Ao determinar vedações a algumas espécies de pena (morte, prisão perpétua, trabalhos forçados e banimento – alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, respectivamente), a Constituição estabelece, na referida alínea (“e”), o princípio da proibição do excesso punitivo, ao negar, em qualquer hipótese, a aplicação e execução de penas cruéis e degradantes.

É fácil se deparar com a conclusão inafastável de que a permanência do Requerente, no cumprimento de sua pena da forma que está sendo imposta, é flagrantemente atentatória aos seus direito e garantias constitucionais, diante do crasso ataque a sua dignidade humana, cujo bem inalienável, o Estado tem o dever e obrigação de zelar enquanto mentor de sua custódia.

Tanto a Constituição quanto o direito internacional dos direitos humanos consagram um mínimo de exigências éticas sob as quais o castigo estatal resulta inaceitavelmente humilhante e degradante para o infrator supliciado, em summa como ensina o eminente professor portenho Alejandro W. Slokar: se as condições de uma prisão negam ao recluso seu caráter de sujeito de direitos e aniquilam sua dignidade, o Estado se converte em delinqüente o delinqüente em vítima.[3]

Diz taxativamente o art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.” Com muita propriedade, Henri I. Sobel, Presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista e Coordenador da Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-judáico da CNBB, ao comentar o referido artigo “O tratamento nas prisões é cruel, desumanos e degradante. As condições nas penitenciárias e nas cadeias públicas do país são abomináveis. Há 150 mil presos confinados num espaço total com capacidade para 60 mil. As condições sanitárias são horríveis e muitos presos estão doentes, sem tratamento. O Estado não garante a integridade física dos detentos, sendo comum os estupros e assassinatos; Não são devidamente separados os criminosos perigosos de autores de pequenos delitos. (…) Essa situação não é apenas perversa; é também contraproducente, do ponto de vista social. Ao manter os presos em condições desumanas, o Estado está contribuindo para que eles não só não se recuperem, como também se tornem mais violentos.”[4]

Esta colocação retrata com fidelidade glacial, crua e sem retoque, a realidade carcerária de todo sistema punitivo brasileiro.

É oportuno realçar as iluminadas palavras de Vossa Excelência, carregadas de sabedoria e coragem, quando da sentença proferida nos autos, que determinou a interdição da Casa de Albergado de Anápolis, assim pontuou:

“Aliás, digo, e que me relevem o contingente de irreverência, como se isso fosse problema que tivessem (Promotores de Justiça e Juízes) que procurar resolver. (Grifo original)

O fazem por questão de humanidade, de preocupação com os desdobramentos que o descumprimento das penas em sobreditos regimes pode ocasionar, principalmente diante da sensação de impunidade que gera, ainda mais daqueles que, infelizmente, o Estado e a Sociedade não se tem conseguido ressocializar.

Tem falhado a sociedade no seu papel de agente do controle social informal, primário da criminalidade.

De igual maneira, o controle formal, principalmente por parte do Poder Executivo, não reponde satisfatoriamente aos anseios de redução de seus índices e, mais do que isso, ainda que involuntariamente , acaba contribuindo para o seu recrudescimento, na medida em que não se compromete com a solução dos problemas que lhe são afetos”

A questão enfrentada na decisão cujo fragmento foi retro alinhado é a mesma que ora se delineia, com uma simples diferença, naquela ocasião o problema era meramente estrutural, e, hoje, além daquele, está embutido e agregado o gravíssimo risco de violação da incolumidade física dos reeducandos(?), além dos efeitos deletérios advindos da  perniciosa e promíscua convivência com os delinqüentes de alta periculosidade.

Sugere-se com a devida vênia, uma pequena ressalva no posicionamento de Vossa Excelência, naquele decisório, quando diz: “como se isso fosse problema que tivessem (Promotores de Justiça e Juízes) que procurar resolver”. Com o devido respeito e s.m.j., o problema, é sim, da competência dos juizes da execução penal e promotores de justiça, pois a eles competem os deveres institucionais previstos nos art. 66, e 68, da LEP, dentre outros: a direção e fiscalização da execução penal.

Realmente, o controle efetivo da massa carcerária escapou do Juízo das Execuções, porém, não é demais lembrar que, depois de definitivamente condenado, o réu ganha status de natureza diversa e fica a mercê do Estado, que, autorizado pelo ordenamento jurídico, cerceia-lhe a liberdade com todas suas infaustas  decorrências  e impõe-lhe outros ônus, mas não lhe extrai os demais direitos. È o detento, diante dos termos inequívocos da Lei de Execução Penal, sujeito de direitos. Logo, quem, tem a guarda do cidadão, assim inteiramente submetido, assume a responsabilidade com relação a ele, desde as mais básicas, a garantia de sua vida, de sua sobrevivência, de sua incolumidade física.

Neste ponto de vista, o Juiz da execução, tem afora cumprir a sentença, administrando o castigo e possibilitando a prevenção dos delitos, também de zelar pelo cumprimento das normas que o favoreçam e lhe garantam o cumprimento da pena nos exatos limites legais, sem excesso e desvio, e mais, o que avulta em importância, proporcionar-lhe as condições necessárias para reincorporarão na comunidade livre, meta maior do art. 1º da LEP.

Por imposição legal (art. 91 da LEP) o regime semi-aberto deveria ser cumprido, em colônia agrícola, industrial ou similar, porém, diante da falta de vontade política e de interesse das autoridades competentes, os referidos estabelecimentos correcionais, nunca saíram do papel, obrigando os operadores da execução penal, a procurarem formas paliativas, na maioria das vezes, com uso da criatividade, improvisando outra modalidade de acomodação, como forma substitutiva daquela exigida por lei.

Dispõe o art. 92 do mesmo dispositivo legal, que:

Art. 92 o condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, abservados os requisitos da letra “a” do parágrafo único do art. 88, desta lei.

Por seu turno diz o art. 88:

“O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

O local onde se amontoam os detentos do regime semi-aberto, no presídio local, está anos luz de preencher os requisitos exigidos pela Lei de Execução Penal. Neste caso não existe meio termo, nem tampouco, tolerar-se-ia um pedido de auxilio ao famigerado princípio da razoabilidade, criado, única e exclusivamente, para socorrer a ineficiência da máquina estatal, quando esta se mostra incompetente para prestar seus serviços aos cidadãos na forma estabelecida pela lei.

Oportuna a advertência do sábio Sêneca: Reo res sacra est.

As ameaças sofridas pelo Requerente, e os demais detentos do regime semi-aberto devem ser encaradas com a devida seriedade, uma vez que a comunidade carcerária , de um modo geral, é  de má índole, é audaciosa, intimorata  e sem escrúpulos, e não se intimida com o poder estatal emanado da direção dos estabelecimentos correcionais, como bem ilustra as rebeliões e chacinas ocorridas no estado de São Paulo, recentemente. Portanto, urge que uma medida seja tomada preventivamente, sob pena de, tardiamente ter que se lamentar após  a ocorrência de  um mal maior.

Finalizando, ressalta, o Requerente, que não está suplicando qualquer regalia, somente deseja que Estado lhe garanta o direito de resgatar sua liberdade, com o cumprimento de sua pena com dignidade e respeito.

EX POSITIS

espera o Requerente seja o presente pedido recebido, e depois de ouvido o ilustre Representante do Ministério Público, deferido para dar uma solução as irregularidades ut retro, alinhavadas, tomando a devidas providências, oficiando-se à Diretoria da Cadeia Pública Municipal de Anápolis, ou, a quem couber de direito, para que  providencie, incontinenti, local adequado (art. 88, parágrafo único da LEP), para o efetivo cumprimento de sua pena, resguardando seus direitos constitucionais insculpidos no art. 5º, XLIX, XLVIII, “e” da Constituição Federal, pois deste modo Vossa Excelência estará, como de costume, editando decisão compatível com os mais lídimos e elevados princípios da Excelsa JUSTIÇA.

Pede Deferimento.

LOCAL, DATA

_______________________

OAB

 

[1] Jornal CONTEXTO Edição de 24 a 30 março de 2006, pág.5;

[2] Salo de Carvalho “Supérfluos Fins (da Pena) Constituição Agnóstica e Redução de Danos, Boletim IBCCRIM  nº 156, pág. 14;

[3] Alejandro W. Slokar  “Índice Para Uma progressão Garantista e Redutora da Práxis Carcerária”  in BOLETIM IBCCRIM nº 127, pág. 13;

[4] Henri I. Sobel “Direitos Humanos – Conquistas e Desafios – Editora  Letraviva, 1999 – pág. 56;

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    Escrito por:
    Cláudio Farenzena
    Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.
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