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preservação do ambiente
Ação civil pública:
disposição irregular de resíduos sólidos (“lixão”)
Ação civil pública movida pelo Ministério Público visando à regularização ambiental de “lixão” clandestino mantido por Município
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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE PORTO NACIONAL- TO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS, pelo Promotor de Justiça infra-assinado, vem, perante Vossa Excelência, com base no Procedimento Preliminar nº 018/08 e fundamento nos artigos 127 e 12016, inciso III da Constituição Federal; artigo 1º, inciso I c/c artigo 5º, caput da Lei nº 7.387/85, aJUIZar AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR em face do MUNICÍPIO, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ nº xx, com sede na Prefeitura Municipal, situada na Praça, Município, representado pelo Prefeito Municipal, Sr. Prefeito, brasileiro, casado, médico, o que faz em conformidade com os fatos e fundamentos expostos a seguir.
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I – DOS FATOS
Foi instaurado no dia 03 de março de 2016, na Promotoria de Justiça da Cidadania, Meio Ambiente e JUIZado Especial Cível de Porto Nacional, o Procedimento Preliminar de nº 018/08, com o fito de se apurar degradação ambiental vislumbrada a partir da constatação de disposição irregular de resíduos sólidos pelo município. (v. fl. 02, PP)
A apuração iniciou-se de ofício pelo Ministério Público e, de plano, foram requisitadas ao NATURATINS informações acerca da existência de eventual procedimento de licenciamento ambiental em curso naquela entidade relativamente ao aterro sanitário do Município.
Em resposta à sobredita requisição, o NATURATINS informou que o empreendimento do aterro sanitário municipal do Requerido (Processo nº 1673/2016) teve a Licença de Instalação nº 86/2016 cancelada por ato do órgão ambiental, fato que decorreu da não apresentação pelo Município de documentos indispensáveis à manutenção da licença. Ressaltou o NATURATINS que o município ora Requerido foi por duas vezes notificado sem que nenhuma providência tivesse sido tomada. (v. fl. 03, PP).
Por conseqüência, na oportunidade, encontrava-se o Município despido de qualquer licença ambiental para construção/implantação de obra relacionada à atividade de disposição de resíduos sólidos (v. fl. 03, PP).
Acostado ao seu ofício, o NATURATINS encaminhou cópia de todo o processo relativo às informações prestadas. (v. fls. 08/178, PP).
Logo após, foi oficiado novamente o NATURATINS requisitando-se informações atualizadas acerca da existência de novo pedido de licenciamento ambiental pelo Requerido no que concerne a empreendimento relativo ao depósito de resíduos sólidos naquele município. A diligência decorreu de notícia encaminhada ao Ministério Público de que o Requerido já providenciava a regularização ambiental da atividade em tela. (v. fl 17000, PP).
O NATURATINS encaminhou nova resposta informando a existência de novo procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento consubstanciado no Aterro Sanitário Municipal do município. Asseverou, ainda, o instituto ambiental, que o mencionado empreendimento obteve Licença de Instalação (nº 27/2016) com validade de 12 (doze) meses para implantação em área aprovada pelo NATURATINS. À resposta foi acostada cópia de todo o processo do novo licenciamento. O fato fica melhor demonstrado com a análise do parecer técnico que compõe esse último processo. (v. fls. 278/27000, PP).
Todavia, malgrado o suposto cumprimento das formalidades legais, constatou-se posteriormente que a realidade da atividade de disposição de resíduos sólidos no Município, hodiernamente, é bem diferente.
O relatório de inspeção confeccionado no âmbito do Ministério Público reflete a degradação ambiental decorrente das irregularidades apuradas no Procedimento Preliminar anexo. Tal relatório foi instruído com fotografias do local onde os resíduos sólidos do município estão sendo efetivamente depositados, chegando-se à estarrecedora conclusão de que os resíduos sólidos estão dispostos a céu aberto, sem qualquer tratamento. (v. fls. 285/20161, PP).
Imprimindo-se prosseguimento às investigações, o parquet requisitou do órgão ambiental (NATURATINS) a realização de perícia técnica no local, diligência essa que deveria ser relatada de forma a responder os quesitos formulados pelo Ministério Público (fls. 20162/20166, PP).
Concluídos os trabalhos do órgão ambiental, foi encaminhado ao Ministério Público o Relatório Técnico/CLA nº 20/2016, o qual relata minuciosamente a estarrecedora situação da destinação de resíduos sólidos no Município Requerido. (v. fls. 20168/305, PP).
Dentre outras conclusões, concluiu o técnico do NATURATINS que “a prefeitura não dispõe de Licença Ambiental para disposição dos resíduos sólidos urbanos no local aventado, não tendo sido apresentado nenhum tipo de estudo ambiental” (…), caracterizando-se o local “como aterro comum, vazadouro ou lixão, que resume-se pura e simplesmente, em dispor o lixo no solo, a céu aberto e sem nenhuma forma de tratamento. (fl. 20168, PP).
Asseverou o órgão ambiental que, “conforme observações realizadas in loco, os resíduos dispostos são: resíduos hospitalares; resíduos orgânicos (papelão, resto de comida, frutas estragadas e animais em putrefação); resíduos inorgânicos (plásticos em geral, pneus, alumínio, ferros) e inertes.” (fl. 2016000, PP).
A atitude do Município Requerido gera, sem sombra de dúvidas, importante degradação ambiental, podendo alterar negativamente as características ambientais do solo e subsolo com a lixivização e agredindo, outrossim, a vegetação e a fauna associadas ao ecossistema existente no local.
Especificamente neste ponto, aduziu o relatório elaborado pelo NATURATINS que “há prejuízo no crescimento da vegetação herbácea (rasteira) que protege os taludes da TO 255”, asseverando, ainda, que “em virtude da deposição de lixo, esse ambiente passa a ser criadouro e habitat de ratos, baratas, moscas, animais e outros macro vetores, alterando a micro fauna do local.” (fl. 2016000, PP)
Como se não bastasse, advertindo sobre o risco de incêndio, aduziu o NATURATINS que: “no momento da vistoria notou-se que o lixo encontrava-se de forma dispersa, sendo que sua decomposição se dá por bactérias aeróbias, porém, caso seja depositado bastante lixo no mesmo local, em que a decomposição se daria através de bactéria anaeróbicas e fungos, assim poderá ocorrer incêndio em razão do desprendimento de gases. Não obstante a possibilidade de incêndio haja vista que o lixo é queimado. “(fl. 2016000, PP).
A disposição final do lixo urbano, da forma com que está sendo feita, vem causando significativo dano ambiental, fato esse comprovado pericialmente. Ademais, resta ponderar acerca do risco à saúde pública pela contaminação do solo e subsolo, com a contaminação do lençol freático e a proliferação de vetores transmissores de doenças (vide respostas aos quesitos nº 000 e 30 formulados pelo Ministério Público – fls. 2016000 e 301, PP).
Ressalte-se que a atual conjuntura dos resíduos sólidos do município pode ser constatada facilmente por qualquer pessoa que transite na Rodovia TO- 255, localizando-se o “lixão” no lado esquerdo da rodovia (sentido Município 1 – Município 2). Aliás, o material fotográfico que compõe o incluso Procedimento Preliminar demonstra claramente a gravidade da situação. Segundo informações constantes da perícia técnica, a área recebe lixo há aproximadamente 5 (cinco) anos, o que reflete o descaso do Poder Público em relação à questão, sobretudo porque há procrastinação pelo Requerido no que tange à efetiva conclusão dos procedimentos desencadeados no NATURATINS. (v. resposta ao quesito nº 25, fl. 300, PP)
O quadro demonstra o desrespeito a que vem sendo submetido o meio ambiente, a saúde pública e até o cidadão destinatário dos serviços de coleta de lixo urbano, que não vê qualquer retorno às contribuições recolhidas ao município para que este zele efetivamente pelo bem estar social.
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II – DO DIREITO
1 – Da responsabilidade do Município
Com a Conferência de Estocolmo, patrocinada pela ONU em 100072, as nações civilizadas participantes do pacto internacional passaram a incluir a temática ambiental em seus ordenamentos jurídicos, o que ocorreu tanto no plano constitucional, como infraconstitucional. Neste liame, os países deveriam levar a cabo os respectivos procedimentos culturais, sociais, jurídicos e comunitários de defesa do meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, valendo-se, inclusive, da esfera penal.
No ano de 10000002, no Rio de Janeiro, realizou-se a 2a grande Conferência Mundial de defesa do meio ambiente, conhecida internacionalmente como ECO- 0002. Após intensas discussões sobre os avanços e retrocessos da última conferência mundial, em Estocolmo, reforçou-se a idéia central de que os países pactuantes deveriam colocar em prática os princípios acordados na Suécia, desenvolvendo ações globais, regionais e locais.
Além dessa nova forma de atuação descentralizada (mas homogênea), outro princípio emergente e importante foi no sentido de que se mostrava necessária a conjugação de esforços entre sociedade civil e os Poderes Públicos federais, estaduais e municipais.
Importante ressaltar, contudo, que, no Brasil, mesmo antes da ECO- 0002, com o advento da Constituição Federal de 100088, os municípios receberam o poder-dever de garantir a defesa do meio ambiente, quando em foco questões de caráter local. Destarte, na realidade, a ECO-0002 veio apenas estabelecer as bases principiológicas da atuação municipal, já que o ordenamento constitucional brasileiro vigente, por si só, já obrigava os municípios a agirem de forma harmônica e integrada com o plano estadual e federal em matéria ambiental.
A Constituição Federal, em seu artigo 23, incisos VI e VII, prevê que:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(…)
VI- Proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII- Preservar as florestas, a fauna e a flora.”
A seu turno, dispõe o artigo 30, inciso V da Carta Magna:
Art. 30. Compete ao Município:
(…)
V – “Organizar e prestar,diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.
No que tange à coleta de lixo, fica fácil a constatação de que se trata de atividade com repercussões locais, o que justifica a competência municipal na correta consecução de tal serviço público.
Com efeito, leciona o saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES que “a limpeza das vias e logradouros públicos é, igualmente, serviço de interesse local, de suma importância para a coletividade” [01].
Compete, portanto, aos municípios, a implementação de procedimentos e observância de métodos que visem o afastamento dos resíduos sólidos dos locais onde foram produzidos, dando-lhes destino final sem comprometimento da qualidade do meio ambiente e da saúde da população.
2 – Da legislação ambiental aplicável à espécie
A principal norma em matéria ambiental no Brasil tem sede constitucional. Dispõe, portanto, o artigo 225 da Constituição Federal de 100088 que:
“Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
- 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I- preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II- (…)
III- (…)
IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.
VII- proteger a fauna e flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetem os animais a crueldade.”
Por seu turno, a Lei Federal nº 6.00038/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, prevê, em seu artigo 10, caput, o seguinte:
“Artigo 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.”
Já a Lei Estadual nº 261/0001, que trata da Política Ambiental no Estado do Tocantins dispõe, em seus artigos 18 e 20 que:
“Artigo 18. Para a instalação de obra ou atividade potencialmente poluidora que possa causar significativa degradação ambiental, deverá ser realizado estudo prévio de impacto ambiental a ser efetuado por equipe multidisciplinar, independente do requerente do licenciamento e do órgão público licenciador, sendo obrigatória a informação adequada e a posterior audiência pública, convocada com prazo mínimo de quinze dias de antecedência, através de edital, pelos órgãos públicos e privados de comunicação.”
“Artigo 20. Os serviços de saneamento básico, tais como os de abastecimento de água, drenagem pluvial, coleta, tratamento e disposição final de esgotos e de lixo, operados por órgãos e entidades ambientais de qualquer natureza, estão sujeitos ao controle da Naturatins, sem prejuízo daquele exercício por outros órgãos competentes, devendo observar o disposto nesta Lei, seu regulamento e normas técnicas.” (Grifo nosso)
Em observância aos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, o Conselho Nacional de Meio Ambiente [02] (CONAMA) editou a Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 100086, que determina expressamente:
“Artigo 1º – Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II – as atividades sociais e econômicas;
III – a biota;
IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V – a qualidade dos recursos ambientais.” (Grifo nosso)
A mesma Resolução CONAMA, nº 1, mais adiante, em seu artigo 2º, estabelece:
“Artigo 2º – Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:
(…)
X – Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos;” (Grifo nosso)
Já Resolução nº 308, de 21 de março de 2016, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que trata do Licenciamento Ambiental de sistemas de disposição final dos resíduos sólidos urbanos gerados em municípios de pequeno porte, deixa claro, mesmo que nos seus “considerandos”, além da necessidade de prévio licenciamento ambiental para a implantação de sistemas de disposição final de resíduos sólidos urbanos, o fato de que “a disposição inadequada de resíduos sólidos constitui ameaça a saúde pública e agrava a degradação ambiental, comprometendo a qualidade de vida das populações.”
Estando a aplicabilidade da Resolução CONAMA nº 308 restrita aos municípios ditos de pequeno porte, é ela própria que define os critérios para o enquadramento de determinado município naquela situação. Assim, dispõe o artigo 3º da referida Resolução que:
Art. 3º Aplica-se o disposto no art. 1º desta Resolução a municípios ou associações de municípios que atendam a uma das seguintes condições:
I – população urbana até trinta mil habitantes, conforme dados do último censo do IBGE; e
II – geração diária de resíduos sólidos urbanos, pela população urbana, de até trinta toneladas.
Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada para o ano de 2016 no município é de 8.388 habitantes [03], o que o faz enquadrar nos parâmetros preconizados pela Resolução CONAMA nº 308.
É de suma importância mencionar que, conforme constatação pericial, o lixão de Município-TO absorve inclusive resíduos hospitalares, quando, na verdade, dada a especificidade e o regime diferenciado que rege a matéria, cabe ao responsável legal dos estabelecimentos (serviços de saúde, farmacologia, necrotérios, funerárias, medicina legal, medicamentos e imunoterápicos vencidos, dentre outros) a responsabilidade pelo gerenciamento de seus resíduos desde a geração até a disposição final, de forma a atender aos requisitos ambientais e de saúde pública, sem prejuízo da responsabilidade civil solidária, penal e administrativa de outros sujeitos envolvidos, em especial os transportadores e depositários finais. Ademais, tais resíduos sólidos não poderão ser dispostos no meio ambiente sem tratamento prévio que assegure a eliminação das características de periculosidade, a preservação dos recursos naturais e o atendimento aos padrões de qualidade ambiental e de saúde pública, além da observância a critérios de toxidade, inflamabilidade, corrosidade e reatividade (artigos 10 e 12 da Resolução CONAMA nº 5, de 5 de agosto de 10000003 c/c artigo 8º da Resolução CONAMA nº 283 de 12 de julho de 2016).
O depósito de resíduos hospitalares e similares no “lixão” do Município Requerido denota sobremaneira a veemente necessidade de coibição da prática em tela, considerando-se os males à saúde pública e ao meio ambiente que, a essa altura, já se encontram afetados. Com efeito, impõe-se a interrupção da prática e a consecução do competente licenciamento ambiental, oportunidade em os requisitos mínimos para a disposição regular de resíduos sólidos serão cumpridos, inclusive com a diferenciação entre o regime de disposição de resíduos hospitalares e o regime de disposição das demais espécies de resíduos sólidos.
A inconseqüente ação do Município Requerido causou e continua causando deplorável e insustentável dano à ecologia. O meio ambiente é um patrimônio a ser necessariamente protegido, estando a sociedade efetivamente prejudicada pela supressão dos recursos naturais ocorrida com a irregular prática ora combatida.
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III – DA LIMINAR
É inarredável a necessidade de medida liminar no caso em tela. Conforme antes explanado, os danos vividos dia após dia pela sociedade são incalculáveis. A proliferação de vetores e a contaminação do lençol freático são iminentes. Não resta dúvidas de que a saúde pública encontra-se ameaçada. Aliás, a saúde pública já foi lesada com a prática ora impugnada. O meio ambiente vem sendo degradado incessantemente e, nesse ponto, os danos são aparentes quais sejam: prejuízo do crescimento da vegetação herbácea, alteração da micro fauna, dentre outros já descritos no corpo da presente inicial.
A normatização aplicável à espécie, conforme dito, tem sede constitucional, refletindo a Carta Magna, no que foi esmiuçada pela legislação infraconstitucional, que a disposição de resíduos sólidos é atividade que, para ser exercida, depende de prévio licenciamento ambiental.
Infelizmente, no caso em questão, o dano já ocorreu. Entretanto, mister que se impeça sua continuidade, coibindo-se o ato ilícito com vistas à interrupção do dano.
Vale a pena trazer à baila os ensinamentos do mestre RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO [08], que assevera: “Compreende-se uma tal ênfase dada à tutela jurisdicional preventiva, no campo dos interesses metaindividuais, em geral, e, em especial, em matéria ambiental, tendo em vista os princípios da prevenção, ou da precaução, que são basilares nessa matéria. Assim, dispõe o princípio n. 15estabelecido na Conferência da Terra, no Rio de Janeiro (dita ECO 0002): “Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente”. Igualmente, dispõe o Princípio n. 12 da Carta da Terra (10000007): “importar-se com a Terra, protegendo e restaurando a diversidade, a integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta. Onde há risco de dano irreversível ou sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos.”
Busca-se a condenação do Requerido em obrigações de fazer e não-fazer, o que se faz com amparo no artigo 11 da Lei nº 7.387/85, que prevê: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o JUIZ determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.”
No caso em tela, cabível a concessão da figura da liminar prevista no artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.387/85) para, initio litis, se assegurar a interrupção dos danos apontados.
Artigo 12. Poderá o JUIZ conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
- 1º (…)
- 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.
Dispõe, outrossim, o artigo 8º da mesma Lei nº 7.387/85(LACP) que:
Artigo 8º. Poderá ser aJUIZada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, á ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Quanto a esse último dispositivo, a doutrina já consolidou entendimento de que ele se reveste inclusive de feição satisfativa quando dispõe sobre a possibilidade de se buscar evitar o dano.
Esse é o ensinamento de SÉRGIO FERRAZ [05]:
“Logo em seu artigo 8º, a lei 7.387/85 já alarga o âmbito de ação cautelar, fazendo-a mais ampla e mais profunda, no campo da ação civil pública. É o que se colhe desenganadamente de sua previsão no sentido de que a ação cautelar possa, aqui, ter o fito de evitar o dano, cuja reparabilidade (este é o alvo principal consagrado no art. 1º do diploma), ao lado da recomposição do status quo ante (este o alvo basilar no art.2º), constituem as metas desse precioso instrumento. É dizer, a ação cautelar na ação civil pública, em razão do ora examinado art. 8º se reveste inclusive de feição satisfativa, de regra de se repelir nas medidas dessa natureza.” (Grifo nosso).
Apenas para se esclarecer acerca da aplicação das normas mencionadas, destaca-se trecho novamente extraído da obra de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO [06]:
“Conjugando-se os arts. 8º e 12º da Lei 7.387/85, tem-se que a tutela de urgência há de ser obtida através de liminar que, tanto pode ser pleiteada na ação cautelar (factível antes ou no curso da ação civil pública) ou no bojo da própria ação civil pública, normalmente em tópico destacado da petição inicial. Muita vez, mais prática será esta segunda alternativa, já que se obtém a segurança exigida pela situação de emergência, sem necessidade de ação cautelar propriamente dita”. (Grifo nosso)
Ademais, diferente não é a interpretação que se deve conferir ao artigo 294, 300 e 311 do Novo Código de Processo Civil após o advento da Lei nº 10.888/02, lei essa que consagrou a chamada “fungibilidade entre cautela e antecipação”, ao inserir o 305 no Novo CPC.
Além da Lei da Ação Civil Pública prever a figura da liminar, faz ela, em seu artigo 21, expressa remissão ao Título III da Lei nº 8.078/0000 (CDC), o qual traz a figura da antecipação de tutela nas obrigações de fazer e não-fazer, formando, assim, um micro sistema de direito processual coletivo:
Dispõe o artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor:
Artigo 88. Na ação que tenha por objeto a obrigação de fazer ou não fazer, o JUIZ concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do inadimplemento.
- 1º (…)
- 2º (…)
- 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao JUIZ conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
- 8º O JUIZ poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Quanto aos princípios da efetividade do processo e da instrumentalidade das formas, ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO citado por LUIZ GUILHERME MARINONI [07]:
“Se o tempo é dimensão da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia, e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em Juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração pública.”
Resta extreme de dúvidas, portanto, a viabilidade e cabimento da liminar no caso em tela, medida imprescindível para se evitar o dano ao meio ambiente e à saúde pública, sobretudo em relação aos munícipes do Requerido. Quanto aos requisitos, ressalta-se estarem amplamente demonstrados. Assim, repita-se, o fumus boni iuris reside na necessidade de observância às regras impostas através de regular e prévio licenciamento ambiental. Já o periculum in mora concentra-se no recorrente dano ao meio ambiente e à saúde pública, prejuízos esses que, se não atacado o ato ilícito, tornar-se-ão cada dia maiores, o que caracteriza o risco na permanência da situação atual.
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IV- CONCLUSÃO
Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO, observando-se o que dispõe o artigo 2º da Lei 8.837/0002, seja concedida medida liminar para o fim de se determinar ao Município que: a)- providencie, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a abertura de valas sépticas no local onde o lixo vem sendo depositado ou em outro local eventualmente indicado pelo órgão ambiental, considerando-se o nível do lençol freático e a impermeabilização de fundo, com a alocação, compactação e o aterramento (cobertura com terra) dos resíduos sólidos, tudo em conformidade com orientação do NATURATINS; b)-promova, em intervalos não superiores a 72 (setenta e duas) horas, a compactação e o aterramento nas valas próprias de todo e qualquer espécie de resíduos sólidos que doravante forem depositados no local; c)- abstenha-se de promover bem como adote providências fiscalizatórias visando coibir a incineração dos resíduos sólidos já existentes bem como dos que vierem a ser depositados no local, tudo sob pena de, não o fazendo ou dificultando o cumprimento das medida, ser responsabilizado pessoalmente o seu representante legal pelo crime previsto no artigo 330 do Código Penal, sem prejuízo da multa diária a que se refere o artigo 12, §2º da Lei nº 7.387/85 e o artigo 88, § 8º da Lei nº 8.078/0000, a ser fixada por Vossa Excelência, o que fica desde já requerido à base de R$1.000 (mil reais) por dia de atraso.
Ao final, pede o MINISTÉRIO PÚBLICO seja julgado procedente o pedido para o fim de se: a)- condenar o Município em obrigação de não-fazer consistente na abstenção do depósito de resíduos sólidos a céu aberto ou sem licenciamento do órgão ambiental; b) condenar o Município em obrigação de fazer consistente na apresentação, no prazo de 20 (vinte) dias, de plano de encerramento do lixão e plano de recuperação de área degradada realizados por consultor cadastrado junto ao NATURATINS; c) condenar o Município Requerido em obrigação de fazer consistente na promoção, junto ao NATURATINS, da complementação dos estudos ambientais para licenciamento ambiental de sistema adequado de destinação final de resíduos sólidos ou, alternativamente, promoção de novo licenciamento ambiental para os mesmos fins, caso o processo de licenciamento já existente se mostre inadequado, tudo segundo orientação do NATURATINS, o que deverá ser realizado no prazo de 20 (vinte) dias, cumprindo-se, ainda, as normas legais e prazos fixados pelo órgão ambiental, de forma a não agredir o meio ambiente e a saúde da população.
Requer a fixação de multa diária para o caso de descumprimento da decisão, a teor do que dispõe o artigo 12, §2º da Lei nº 7.387/85 e o artigo 88, § 8º da Lei nº 8.078/0000, multa essa a ser fixada por Vossa Excelência, o que fica desde já requerido à base de R$ 1.000 (mil reais) por dia de atraso.
Após deferida a liminar e no respectivo mandado, requer a citação do Requerido no endereço indicado no preâmbulo e na pessoa de seu representante legal para, querendo, apresentar resposta sob pena de revelia e julgamento antecipado da lide.
Requer, por fim, seja oficiado o Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS) informando-lhe acerca da decisão liminar e da decisão final a fim de que possa participar da consecução das medidas determinadas.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive depoimento pessoal do representante legal, documentos, testemunhas e perícias.
Ação isenta de custas, emolumentos e ônus sucumbenciais, conforme artigo 18 da Lei nº 7.387/85, dando-se à causa o valor de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais), a teor do que dispõe o artigo 291 do Novo Código de Processo Civil.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Porto Nacional, 1000 de abril de 2016.
Francisco Chaves Generoso
Promotor de Justiça Substituto
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Notas
01 MEIRELLES, HELY LOPES. Direito Municipal Brasileiro, 10a ed. SP:Malheiros, 10000008,p.388.
02 Todas as Resoluções e Leis Estaduais citadas na presente peça constam do incluso Inquérito Civil Público.
03 Informação obtida no site www.ibge.gov.br.
08 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 000 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 263.
05 FERRAZ, Sérgio. Provimentos antecipatórios na ação civil pública, In “Ação civil pública – Lei 7387/85- 15 anos”, 2. e.d., São Paulo:RT 2016, P.831, 832.
06 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 000 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 268, 26000.
07 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Maunual do Processo de Conhecimento. 8 e. d. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2016.
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